quarta-feira, 24 de março de 2010

O MAR NÃO ESTÁ PRA PEIXE



Jornal do commercioPublicado em 19.03.2010, às 05h00
Marília Banholzer

Há dez anos, a gente saía para o mar e trazia 500 quilos de peixe, hoje é um sofrimento para conseguir pegar 50 quilos.” Com essa frase o pescador Jorge Guimarães, 39 anos, resume a situação da atividade da pesca artesanal em Pernambuco. Ele exerce há anos 25 o ofício que aprendeu com o pai, Augusto Guimarães, 62, e que lhe rendeu pele queimada pelo sol, mãos calejadas e um característico cheiro de mar.
Pai e filho saíam para pescar com a irmã de Jorge, Albniza Guimarães, 41. A parceria no mar se desfez em 2007 quando a pescadora estava prestes a concluir o curso de pedagogia. Formada, ela agora trabalha para o Conselho Pastoral dos Pescadores, uma ONG que trata dos interesses sociais da classe. “O pescador é um excluído. A sociedade tem uma dívida social com esses profissionais. Quando eu era só pescadora não via isso, agora, luto para melhorar a vida dessas pessoas”, desabafa Albaniza.
A reclamação dos pescadores é uma realidade confirmada pela professora Maria Elisabeth de Araújo, que coordena o Grupo de Ictiologia Marinha Tropical do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e há 10 anos estuda a redução na população de peixes pelos 187 quilômetros de extensão do litoral pernambucano.
“Estamos realizando uma pesquisa científica sobre essa redução de peixes e, por isso, posso afirmar que não só diminuiu a quantidade como também o tamanho do que hoje é pescado”, explica a cientista.
Dados do Ministério da Pesca e Aquicultura apontam que, atualmente, Pernambuco tem 14.600 pescadores cadastrados em 34 Colônias e 25 Associações distribuídas entre o litoral, Agreste e Sertão do Estado. A família Guimarães faz parte dos 1.823 que estão registrados na Colônia Z1, que engloba os pescadores do Recife.
Responsável pela maior parcela da produção pesqueira do Estado, a pesca artesanal é caracterizada pela mão de obra familiar e embarcação de pequeno porte (em média oito metros de comprimento). Segundo os próprios pescadores, a atividade está em decadência em Pernambuco. “Antes, há umas três décadas, o povo vinha de outros Estados, como Rio Grande do Norte e Alagoas, para pescar aqui. Hoje a gente está fazendo o contrário”, conta o presidente da Colônia Z1, Augusto Guimarães, conhecido como seu Neno, que assumiu o cargo em julho do ano passado.
De acordo com Elisabeth de Araújo, essa mudança de local de trabalho está diretamente ligada à diminuição de peixes nas águas pernambucanas. Segundo a estudiosa, peixes como cioba, dentão e cavala se tornaram raros e caros nos supermercados e mercados públicos. “Por causa da redução de algumas espécies passamos a consumir peixes menores, menos saborosos e com mais espinhas, como é o caso do saramunete”, revela.
Para Euclides Dourado, analista ambiental do Departamento de Recursos Pesqueiros do Ibama, um dos principais motivos para a escassez de peixes é a degradação das áreas de mata ciliar, do qual o mangue faz parte. Os manguezais são considerados verdadeiros berçários para dezenas de espécies aquáticas.
Sobre essa questão, Elisabeth de Araújo ressalta que os manguezais são responsáveis pelo esfriamento da temperatura, e consequentemente, das águas. O aquecimento dos mares e a poluição também são reclamações dos pescadores. “O mangue é o ar-condicionado do Recife”, compara a pesquisadora.
SUSTENTO - Mesmo com todas as adversidades, a atividade milenar persiste. É com o dinheiro extraído da pesca que centenas de famílias se sustentam. Pescadores relatam que não conseguem manter renda fixa, mas em um mês produtivo chegam a arrecadar de R$ 750 a R$ 1 mil. Parte desse valor é destinada à manutenção do barco.
Na última quarta-feira, o Instituto Oceanário, em parceria com o governo do Estado, a Universidade Rural e a Fundação Apolônio Salles divulgou um Diagnóstico Socioeconômico da Pesca Artesanal do Litoral de Pernambuco. Dados apontam que esse tipo de atividade movimentou, em 2006, R$ 37,2 milhões e tem 47.269 pessoas como dependentes diretas.
Mas, para trabalhar neste ramo é preciso ter coragem e gostar do que faz. “Não é fácil passar dias, ou até semanas debaixo de sol forte, sem água potável, correndo riscos”, revela Jorge, que não desiste do mar.